Pouco divulgada na grande mídia, a bocha é uma modalidade esportiva de grande presença na capital gaúcha. Com 34 canchas regulamentadas em Porto Alegre, o esporte tem fama de ser democrático, saudável e propício para fazer amigos.
A regra é simples. Se o jogo for em trios, seis esferas para cada equipe e o desafio é aproximar ao máximo os globos do bolim. A equipe que chegar mais perto, vence. E então, conhece o jogo? É a bocha. Provavelmente muita gente já ouviu falar, alguns já assistiram uma partida, poucos experimentaram e quase ninguém conhece alguém que jogue.
De origem italiana, o boccie — como era denominada a Bocha — começou a ser praticado no Império Romano. Passou por países, culturas, transformações em suas modalidades e, por meio de gerações, foi perpetuada. Em Porto Alegre, quinhentos anos após seu surgimento, um espaço em meio à natureza e calmaria de um dia de semana no Parque Farroupilha, a Redenção, a Sociedade Esportiva Recanto da Alegria, perpetua o jogo como sinônimo de vitalidade, integração e inteligência.
“Aqui tu encontras o maior número de idosos por m² do Rio Grande do Sul”
Existente desde 1975, hoje a SOERAL, a Sociedade Esportiva Recanto da Alegria, reúne cerca de 300 idosos ao longo do dia para praticar saúde. Oferecendo espaços para jogo de bocha, cartas, damas, xadrez e dominó, é um espaço de integração e lazer aos aposentados dos bairros Bom Fim, Rio Branco, Farroupilha, Cidade Baixa e arredores. De acordo com Alcir
Argenta, presidente da sociedade desde 2010, o local recebe o maior número de idosos por m² do Rio Grande do Sul. “Das oito da manhã às oito da noite tu vais ver idosos aqui, exercitando a cabeça e cultivando amizades”, relata o líder que possui alta aprovação dos associados por sua gestão.
Com uma mensalidade de R$ 7,00 , a SOERAL garante de segunda a segunda um ambiente simples, porém aberto, limpo e com toda infraestrutura para receber seus mais de trezentos associados. Na bocha, modalidade que é o carro chefe da sociedade, a novidade são as canchas com borrachas sintéticas, e não mais de areia, que garantem ainda mais a higiene e
profissionalização do local para os treinos das equipes para os campeonatos estaduais.
Falando em campeonatos, a SOERAL é destaque no Rio Grande do Sul. Além de receber diariamente atletas referência no esporte, recebe também juízes e fornece espaço para o treino das equipes que vêm colecionando prêmios no estado. Por exemplo, em 2014, atletas da 3ª idade conquistaram o Bi Campeonato Municipal da Série Ouro na categoria Cancha Sintética, promovido pela Secretaria dos Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre. O grupo também foi vice-campeão na Série Principal do mesmo campeonato.
Praticada prioritariamente por idosos, a bocha é destaque em Porto Alegre
Além da Sociedade Esportiva Recanto da Alegria, a SOERAL, uma série de outros clubes em Porto Alegre incentivam o esporte. Dos trinta e quatro espaços presentes da capital, alguns deles são salientados pelo coordenador de bocha da SOERAL, Ervino Ludwig, 66 anos, como os mais ativos e concorrentes. São elas a Acecrir, Anvipan, Sogipa, Piratini, Ipanema, Teresópolis e Chácara das Pedras. “Além de principais rivais, são clubes consolidados que nos ajudam a continuar com o esporte”, destaca Ervino.
Com campeonatos anuais pela cidade e, inclusive, seleções da modalidade disputando o esporte por campeonatos de todo o estado, estes clubes perpetuam a cultura originária da Itália e trazem ao idoso qualidade de vida. “O trabalho de mobilidade motora e capacidade de concentração na bocha é definitivo para um envelhecimento com qualidade”, explica Clori Pinheiro, Terapeuta Ocupacional e presidente da associação brasileira da profissão. Enquanto cuidadora de idosos, a profissional salienta que, além do exercício físico, a sociabilidade é um dos principais pontos positivos nesses clubes. “Neste tipo de grupo a terceira idade costuma criar novos vínculos, compartilhar lembranças e trabalhar a memória — um importante aspecto nesta etapa da vida”, conclui.
Pistola, o homem dividido entre bocha e carros por 60 anos
Nascido no interior de Igrejinha, no quintal de casa, aos oito anos de idade, Pistola foi apresentado à bocha. Ele aprendeu o esporte vendo o pai jogar, mas nunca imaginou que iria tão longe com a sua habilidade. A cancha em que aprendeu a jogar foi construída artesanalmente — com terra vermelha e algumas madeiras para sustentação — , e é muito diferente das que hoje Anildo Caloni, 87 anos, já pôde conhecer.
Quando jovem, aos 20 anos, saiu da cidade natal para construir a vida em Porto Alegre, retomou a bocha como um hobbie — algo para poder desopilar e evitar a solidão de morar em uma nova cidade. O clube escolhido para exercer o esporte foi o Ipiranguinha. Por esta sociedade tomou gosto da modalidade e passou a destacar-se entre os colegas de equipe, a partir de 1954.
Após alguns anos treinando todos os dias do início da noite até as 23 horas, Pistola tornou-se atleta do clube Independente — tradicional por seus esportes e congregação da comunidade judaica do entorno da Protásio Alves. Após mais algum tempo, teve que afastar-se por um tempo do esporte devido ao trabalho.
Trabalho, inclusive, é um grande orgulho de Pistola — cujo apelido tem a ver com sua profissão: pintor de carros. O idoso entoa com orgulho: “trabalhei por sessenta anos seguidos, sem parar, adoecer ou tirar férias”. Apesar de ter ganho prêmios como, por exemplo, melhor bochador do Rio Grande do Sul, o esporte nunca trouxe dinheiro o suficiente para o atleta sustentar-se. Por isso, justamente, que preferiu em alguns momentos o trabalho ao esporte.
Atualmente o ex-atleta vive na Rua Euclides da Cunha, no Bairro São Manoel, com seu filho e nora. Sua rotina contempla manhãs em casa, um almoço, um cochilo e ao início da tarde a caminhada até a SOERAL. Na sociedade passa as tardes conversando, olhando os jogos de bocha ou cartas dos amigos. Ao final da tarde, antes de retornar à casa, uma passada num bar próximo é sagrada. “Tomo uma catuabazinha, converso um pouco mais lá e vou pra casa dormir”, conclui a sua rotina.
Nem bocha nem cartas Pistola joga, apenas arrisca algumas carteadas ou tiros na cancha quando está de muito bom humor. Isso porque, devido aos muitos anos de profissão como pintor, acabou por adquirir uma infecção intestinal devido às propriedades toxicas da tinta. Debilitado, ele acompanha os amigos que fez nos mais de 25 anos frequentando a SOERAL.
Dos principais orgulhos de Pistola, estão, além do título de melhor bochador do Rio Grande do Sul, as inúmeras viagens pelo estado e até na Argentina em competições de bocha. Apesar do prejuízo que tinha, — por deixar a oficina fechada enquanto competia — Anildo sempre atendia os pedidos dos clubes para que ele participasse dos campeonatos. “Modestamente falando, onde eu passasse eu completava metade do time. Eu jogava pelo prazer de jogar, e por muito tempo joguei de uma forma que poucos viam”, conta.
Também é orgulho para Anildo uma capacidade de mira que possuía com a bocha e que ainda não encontrou igual em outros atletas. “Por exemplo, eu colocava um copo de vidro do lado de uma bocha e acertava a bocha sem quebrar o copo de vidro. As pessoas ficavam admiradas com aquilo”, relembra.
Osório, colhendo e replicando lições de vida na SOERAL
Depois de praticar vôlei, basquete, futebol, tênis de mesa e de quadra, aos 50 anos Eduardo José Osório conheceu a bocha. Ela lhe foi apresentada em alguma tardinha, enquanto passeava na redenção após o expediente e procurava algo para lhe entreter um pouco mais antes de retornar para casa.
Estabeleceu, então, a partir de 1988 um vínculo com a sociedade onde passou de sócio para atleta, de atleta para presidente do clube. Por dois mandatos foi presidente, por outro tesoureiro. Atualmente, durante todas as tardes de segunda a sexta-feira, frequenta a sociedade somente para jogar cartas.
A verdade é que Osório por muitos anos foi fumante, e um enfisema pulmonar o tirou além da facilidade em respirar, muitas outras coisas como, inclusive, a bocha — que havia se demonstrado uma grande uma grande habilidade. Sua rotina está limitada, hoje em dia, em fazer nebulização e exercícios respiratórios pela manhã. Ao meio dia almoça, leva a neta no
pré-vestibular e passa a tarde na SOERAL jogando canastra e conversando.
Osório, que nunca havia nem visto bocha em sua vida, aprendeu a jogar o esporte em canchas de terra na SOERAL soemnte observando os outros colegas jogando. “É uma mistura de observação e impulso”, descreve. Apesar de nascido em Quaraí, Osório vivia em Livramento e por sua região o esporte não era praticado. Pela SOERAL, com a bocha, o atleta foi destaque. Integrou por anos as equipes que venciam os inúmeros campeonatos promovidos pela prefeitura de Porto Alegre.
O ex-atleta lembra que, naquele período, as competições eram bem mais bairristas e menos institucionalizadas. “Para tu teres uma ideia, o critério para montar os times era quem frequentava as canchas dos bairros ou não. Hoje em dia, tens que ser associado e vinculado no clube como atleta”, resgata.
Durante a gestão de Osório na presidência da Sociedade Esportiva Recanto da Alegria, a SOERAL, foi construída a primeira cancha sintética da sociedade. Atualmente as duas canchas que o clube possui são nesse formato — que é somente reconhecido pela regra sulamericana de bocha. O ex-atleta destaca, inclusive, que a regra mundial, a de cancha de carpete, instituída nas olimpíadas, é utilizada por pouquíssimos clubes em Porto Alegre. “Temos uma resistência, pois todos os clubes se acostumaram com essa modalidade”, lamenta.
Das grandes lembranças como atleta da bocha, Osório carrega um grande orgulho. “Por ser um esporte sem contato físico e quase nenhuma desavença, a bocha é um esporte que faz amigos”, finaliza.
Jogo de Bocha: como jogar?
O que é: O objeto que é utilizado para a prática do esporte é quem dá o nome à modalidade: a bocha. Uma esfera de madeira ou resina, normalmente, que deve ficar próxima ao bolim (uma bocha menor).
Objetivo: O objetivo da bocha consiste na marcação de pontos, através do lançamento das bolas, a fim de que elas se aproximem de um ponto, determinado aleatoriamente pelo lançamento de um objeto, o bolim.
Onde e com quem jogar: o jogo deve ter no mínimo dois participantes, competindo entre si. Podem ser montadas equipes também, consistidas por duplas ou trios. Todo jogo deve ocorrer dentro de uma cancha, que pode ser de terra, emborrachada ou carpetada.
Regras da partida:
- Cada jogador ou equipe tem direito a 4 bochas por partida.
- O início da partida se dá com o arremesso do bolim. O lugar em que o bolim parar
passa a ser o ponto daquela partida do qual as bochas devem ser aproximadas.
- Em seguida, os jogadores começam o lançamento das próprias bochas.
- É permitido aos jogadores eliminarem uns aos outros, através do distanciamento das
bochas adversárias ao chocá-las com as próprias bochas.
- O lançamento das bolas deve ser feito pelo ar ou pelo chão, de acordo com as
combinações da equipe.
- O jogador ou equipe vencedora é aquele que conseguir aproximar mais bochas do
ponto estabelecido e, consequentemente, conseguir conquistar mais pontos.
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