Durante a COP 26 deste ano em Glasgow, o futuro do planeta Terra e sua biodiversidade foi discutido. Entre as vozes nas mesas redondas dos líderes e personalidades dos países que são referências na luta contra o aquecimento global, as vozes dos povos indígenas estão vagarosamente sendo escutadas. Ao contrário de uma visão de mundo focada no livre comércio e no desenvolvimento do mercado, os povos nativos trazem - entre discursos em painéis e manifestações pelas ruas da Escócia - o argumento: Não há solução para a crise climática sem os direitos dos territórios indígenas.
Uma pesquisa de 2018 aponta que 370 milhões de povos indígenas no planeta Terra correspondem a menos de 5% do total da população humana. Entretanto, "eles administram ou detêm mais de 25% da superfície terrestre mundial e sustentam cerca de 80% da biodiversidade global". (p.369, 2018) De acordo com Eriel Deranger, diretor executivo da Indigenous Climate Action, em entrevista durante a COP26 para o The Guardian, "os povos indígenas são mais visíveis, mas não somos levados mais a sério; somos romantizados e simbólicos". (2018)
Os povos indígenas têm feito mais do que qualquer governo no mundo para combater a mudança climática, especialmente porque não observam o sistema em que se encontram como algo a ser usado e comercializado. No livro You Are What You Buy, Paterson explica sobre a comoditização e seus impactos nas relações de consumo globais, apontando que podemos perceber conexões entre a cultura do consumidor e problemas no desenvolvimento humano e "traçar as cadeias de causa e efeito que ligam determinados tipos de consumo a lugares específicos, recursos, pessoas e interesses". (p.12, 2018)
O interesse em mercadorias explicado por Paterson é resultado do pensamento colonial e se apresenta numa extração massiva de recursos humanos e ambientais de territórios colonizados pelo capitalismo. Como explicado no livro "Ilhas de Chocolate": Cacau, Escravidão e África Colonial, os empresários europeus que lidavam com fazendas de cacau aproveitavam o trabalho de povos nativos que já estavam privados de terras e recursos para seu próprio sustento, induzindo-os a trabalhar na monocultura das mesmas terras de que antes eram guardiões. O interesse do colonizador no lucro sobre a mercadoria é apresentado, por exemplo, no discurso deste empresário europeu dono de uma fazenda de cacau na África colonizada:
"Vemos estas questões sob uma luz diferente quando afeta os próprios interesses, mas sinto que existe uma grande diferença entre o cultivo do cacau e a mineração de ouro ou diamantes, e eu deveria lamentar inutilmente ferir um cultivo que, até onde posso julgar, fornece mão-de-obra do melhor tipo que se encontra nos trópicos: ao mesmo tempo, todos nós gostaríamos de limpar nossas mãos de qualquer responsabilidade pelo tráfico de escravos, sob qualquer forma". (2012, p.17)
Também é possível ver o mesmo movimento de extração de terras, pessoas e seus direitos em outros países com outras commodities como na Indonésia, por exemplo, com a mercantilização do açúcar:
"Uma de suas características, muito relevante para a expansão da produção de açúcar em larga escala, foi a crescente presença dentro da sociedade camponesa de um grupo com pouca ou nenhuma terra que estava - no mínimo nocional - 'disponível' para o tipo de mão-de-obra sazonal que a indústria necessitava, sem a necessidade de recorrer à coerção direta. Neste importante sentido, a 'servidão' imposta pelo Cultuurstelsel estava sendo gradualmente transformada muito antes do sistema em si, no que diz respeito ao cultivo da cana durante a década de 1880." (p.7, 2013)
A idéia da floresta viva é inerente ao modo de vida dos povos indígenas e está implícita dentro da espiritualidade dos povos nativos que se deve reconhecer todos os seres vivos - e isto inclui humanos, animais, plantas, montanhas, rios, lagos - e também as forças da floresta. Este texto visa apontar interpolação e interseccionalidade entre os termos commodity, colonialismo, direitos indígenas e sustentabilidade, a fim de trazer à tona idéias e conversas relacionadas como algumas das seguintes questões: A mudança climática existe por causa do colonialismo e do capitalismo? As sociedades capitalistas percebem a terra como uma mercadoria? A terra como uma mercadoria leva ao aumento das emissões de CO2? A luta pelos direitos indígenas à terra ajudará a conter a mudança climática?
Bibliografia
Catherine Higgs. Chocolate Islands: Cocoa, Slavery, and Colonial Africa. Ohio University Press, 2012.
Davi Kopenawa, Bruce Albert. (2013) The falling sky: words of a Yanomami shaman. Translated by Nicholas Elliott and Alison Dundy.
G. Roger Knight. (2013). Commodities and Colonialism: The Story of Big Sugar in Indonesia, 1880-1942. Brill.
Mark Paterson. (2018) 2nd edition. Consumption and Everyday Life. Published October 20, 2017 by Routledge
National Geographic. (2018). Indigenous peoples defend Earth's biodiversity—but they're in danger. By Gleb Raygorodetsky. Avaiable at: https://www.nationalgeographic.com/environment/article/can-indigenous-land-stewardship-protect-biodiversity-?loggedin=true
Nature Sustentability. (2018) Vol 1. A spatial overview of the global importance of Indigenous lands for conservation. Avaiable at: https://www.nature.com/articles/s41893-018-0100-6.epdf?sharing_token=QmBzxLT-r5ZkKqdJmrODVNRgN0jAjWel9jnR3ZoTv0Nlxfg9aDwpfTJNvkjtOhlO3PFB-aZq2SSCNsoN66Y9xxtccyAcYckRRmUJ2xf8-h4y3aeRYCCOYFqFtSjlbOu8BMgXO78XvTHh9813X7K7a7bNxFpw2oINXZgKuvMf6jul_sTyJ8RIgpXduRlaLXhHqaGGJqKVQ2o-x-snsEYyMtEMhNWQd9etiN-01_4EUUA%3D&tracking_referrer=www.nationalgeographic.com
The Guardian. By Nina Lakhani. ’A continuation of colonialism’: indigenous activists say their voices are missing at Cop26. Available at: https://www.theguardian.com/environment/2021/nov/02/cop26-indigenous-activists-climate-crisis
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