Na noite de uma sexta-feira chuvosa, em pleno Bairro Mário Quintana, região de maiores níveis de violência e mais baixo IDH de Porto Alegre, uma senhora de 73 anos reuniu dezenas de pessoas para lhe homenagear. Maria Deloí Cardoso, para todos, Maria Deloí, tem 73 anos e, recebeu a 53ª Medalha da Legislatura de Porto Alegre. A condecoração da prefeitura, incentivada pelo deputado estadual Aldacir Oliboni, é uma homenagem a personagens da cidade que fazem diferença e transformam rumos não só seus como de toda uma comunidade.
Transformar rumos, tanto o seu como de outras pessoas, é uma das missões de Maria Deloí. E, mesmo às sete décadas de vida, a impressão que fica é de que ela não se cansa. Muito pelo contrário, sobe e desce lombas, vai e volta de plenárias no Centro quase que diariamente. Impressão deve ficar, também, no chão que já traçou o caminho ligando a Rua Uruguai, número 155, sede da Secretaria Municipal de Governança Local, ao Loteamento Timbaúva, onde Deloí tem sua residência e principal local de orgulho.

Maria Deloí Silveira Cardoso, 73 anos, possui formação superior e lecionou em Alegrete, sua cidade natal. Ao vir morar em Porto Alegre, empreendeu em diferentes ramos, mas sempre encontrou tempo para lutar pelo crescimento da região onde vivia. Participante ativa do Orçamento Participativo, desde que a líder comunitária foi morar no Loteamento Timbaúva, localizado no Bairro Mário Quintana, passou a lutar pelos direitos da região.
Confira o documentário que conta a percepção de moradores e trabalhadores da região nordeste sobre a líder comunitária:
Por trás de uma grande mulher...
“Uma pessoa pode achar ridículo alguém achar importante o dia em que perdeu a mãe. Mas não é. E, no meu caso, foi muito importante.”
Para conhecer alguém é preciso, também, conhecer sua história. Na de Maria Deloí, por exemplo, além de lutas e glórias está o sofrimento de uma grande perda. Aos 16 anos, a filha única que não recebeu criação do pai, perdeu sua mãe. “Isso tira o chão dos pés de uma pessoa. Me deixou sem rumo pois tive mãe e pai numa pessoa só”, comenta.

Segundo Deloí, muito do que ela é hoje vem dos ensinamentos que Angela da Silveira, sua mãe, deixou antes de partir. Além disso, conta que perder a mãe cedo a fez refletir sobre a importância de estar vivo. “Cuido muito da minha vida e da vida das pessoas ao meu redor. Por isso eu venho me dedicando todo esse tempo em uma transformação para melhor. A minha visão é essa: de transformar”, complementa.
Na grande maioria dos depoimentos que se busca sobre Dona Maria, encontra-se um discurso corroborado pelo neto Nederson Menezes Cardoso, 21 anos. “Uma mulher batalhadora, que põe sempre a necessidade dos outros na frente das necessidades dela, e que esta sempre lutando para o bem comum”, descreve.
Amizades são laços que inspiram para o bem
“Eu procuro parcerias porque só com parcerias a gente atinge os objetivos da gente. Alguém puxa a ponta do cordel, e nós deixamos desenrolar e assim progredimos e fazemos novas adaptações”.
Aos lembrar do seu casamento, quando tinha 23 anos, uma curiosidade desperta a memória de Dona Maria Deloí. “Meu amigo, o Pároco Paulo Aripe, ficou tão emocionado quando eu estava casando que não conseguiu realizar a cerimônia do matrimônio”, descreve. Cantor, escritor e grande incentivador do tradicionalismo gaúcho, o Padre Potrilho, como era conhecido, também fez história com sua popularidade e grande carisma.

Paulo Aripe, segundo Maria Deloí é a primeira lembrança em relação ao seu casamento pois ele foi quem lhe aproximou, de fato, da assistência social – sua grande paixão. “Naquela época dávamos comidas às famílias mais necessitadas de Alegrete, foi assim que comecei ajudando as pessoas”, salienta.
De acordo com o único filho de Maria Deloí, é a atividade social que realmente a motiva. “Éla é guerreira e vai fazer sempre de tudo para ajudar aos outros. Acredito que se ela não tivesse envolvida assim, ela não seria tão completa como ser humano. Fazer o que ela faz a deixa realizada”, finaliza João Batista, 46 anos.
Saída de Alegrete, desafios em Porto Alegre
“Eu tenho uma carta, escrita pelo Padre Paulo, que ele me deu quando eu vim para Porto Alegre para eu apresentar nos locais onde fosse procurar emprego dizendo que tipo de pessoa eu era.”
Mudar de cidade não é uma tarefa fácil. Sobretudo quando se vem da fronteira para a capital em busca de uma nova vida. No caso de Maria Deloí, ela não poderia imaginar que seu futuro poderia ser tão diferente. Logo após o casamento, saiu de Alegrete e foi morar em Viamão. Teve seu filho e alguns anos depois separou-se e veio morar na capital. Com uma carta de recomendações do amigo padre buscou novas oportunidades na região metropolitana.
“Tive uma firma de reformas empresariais, fiz curso na área da saúde, fui professora... Sempre fui buscando novas oportunidades para sempre melhorar alguma coisa”, detalha Dona Maria. Enquanto alguém dedicada e estudiosa, Maria Deloí sempre foi atrás de novas oportunidades para dar uma boa criação ao seu filho. “Eu vou mudando sempre porque vou me apaixonando pelas coisas e acabo cada vez mais diversificada nas minhas atividades”, destaca.
Mesmo com tantas mudanças, a líder comunitária conseguiu deixar sua marca nas cidades em que passou, sobretudo em Porto Alegre, como destaca a Ex-Ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário. “Maria Deloi sempre se dedicou e acreditou na participação popular. Por isso, a cidade reconhece nela o tipo de liderança que contribui para que as decisões dos governos tenham embasamento na vida das pessoas, do ponto de vista de interesse social”, salienta a política gaúcha.
“Fiz parte da primeira reunião do OP, lá na Igreja da Glória”
“Eu já venho de nascença de família política. Essa característica de ir atrás dos anseios já nasce com as pessoas. Só falta oportunidade para despertar.”
Ao chegar em Porto Alegre, Maria Deloí foi morar no Bairro Glória. Lá, participou da primeira reunião do Orçamento Participativo na Igreja da Glória. Ela lembra que, aos poucos, o grupo atuante foi se formando. “As primeiras reuniões que eu fui do Orçamento Participativo eram tumultuadas. Disputávamos espaços assim como se disputa uma cadeira para sentar”, recorda.
Rose Ceroni também é atuante em espaços políticos e conhece Dona Maria desde o período em que morava no Bairro Glória. “Naquela época ainda chamava-se OP Cidade. E ela sempre se destacou como alguém que vai atrás de benefícios para as regiões”, descreve a articuladora política que luta, junto com Deloí, para melhorias na região Nordeste.
A Ex-Ministra Maria do Rosário conheceu Dona Maria em eventos políticos,
e destaca nela o perfil forte de lutar por seus ideais. “Ela sempre representou uma voz firme que, ao mesmo tempo, dialoga e cobra das autoridades uma atuação diante da população das periferias”, acrescenta. Rose Ceroni complementa que a atitude expressiva e a projeção de voz marcante são características desenvolvidas, muitas vezes, por quem participa do Orçamento Participativo. “Aos poucos fomos desenvolvendo um perfil para expor nossas ideias e defender certas opiniões no grande grupo. A voz firme e o jeito claro de falar são uma dessas características”, destaca Rose.
Quando a luta por direitos vira o lema de vida
“Eu sou a pessoa mais feliz do mundo, porque eu faço aquilo que eu gosto. Governo meus horário de acordo com as demandas, mas sempre fazendo tudo com amor.”
A partir do momento em que Deloí mudou-se para o Bairro Mário Quintana, já adotou a nova região como casa e prioridade nas lutas. Sua chegada na comunidade foi significativa e importante tanto para a região, quanto para sua consolidação como ativista no OP. “Quando eu vim para o Timbaúva eu já estava no OP, mas foi a partir daí que eu consegui ocupar um importante espaço”, ressalta a líder comunitária.
No movimento, já foi delegada e conselheira, regional e temática, por diversas vezes. Além disso, já recebeu inúmeros reconhecimentos pelo trabalho prestado. No mundo político, conquistou parceiros que não hesitam elogios. “Ela faz de sua vida um instrumento para melhorar a vida dos outros. Tem um senso de coletividade, de amor ao próximo e de humanidade que é o que precisamos, cada vez mais, neste mundo”, declara o deputado estadual Aldacir Oliboni.

Já Maria do Rosário, reconhecendo o trabalho de Deloí, mais especificamente no Timbaúva, vai mais fundo. “Ela é um símbolo em si, pois ajudou a construir o conceito de democracia real que marca Porto Alegre. Na Maria Deloi também reconhecemos uma grande defensora dos direitos das crianças e adolescentes, que visita as famílias, se interessa pelas suas questões e as apoia”, salienta.
Dona Maria já completou 25 anos de atividades no Orçamento Participativo. E, ainda assim, se sente jovem para o assunto. “Com o passar do tempo fui me modificando, mas com o passar do tempo as coisas mudaram bastante também. Por isso, ainda me sinto uma jovem neste aspecto, com muito o que aprender”, comenta.
Uma entidade que abriu suas portas para a comunidade
“Sempre foram coisas que dá trabalho, dá envolvimento... A gente se enerva, mas é uma briga boa onde vamos em busca de melhorias.”
Alguns anos depois de morar no Timbaúva, uma alternativa para transformar a realidade que Dona Maria Deloí tanto lutou começou a se concretizar. No entanto, ela não veio do poder público, e sim da entidade católica. Uma Unidade Social da Rede Marista começou a ser construída na região. A unidade, liderada no período pelo Irmão Jaime Biazus, daria espaço e educação para os filhos das catadoras de lixo da região equanto elas concretizavam o Galpão de Reciclagem Rubem Berta. Além disso, o centro viria dar formação às catadoras no contraturno de seus trabalhos, já que o lixo ainda era a principal fonte de renda do Timbaúva na época.
“Eu cansei de conversar com o Ir. Jaime na volta do lago, pensando com ele nas oportunidades e alternativas que poderíamos oferecer para a região”, destaca Maria Deloí. Segundo a líder comunitária, sempre se identificou como voluntária da unidade, principalmente porque se identifica com a causa. “A causa dos Maristas tem muito a ver comigo, por isso me dedico. Gosto muito e luto para que os jovens da região tenham oportunidades lá”, salienta.

A instituição, que já triplicou de tamanho desde que iniciou em 1997, tem como atual diretor o Irmão Odilmar Fachi. Ele salienta a importância de Deloí para a conquista de oportunidades para a unidade. “Ela é uma líder muito forte, com um discurso muito forte. Uma parceira que sempre defende a nossa instituição nas plenárias e reuniões do Orçamento Participativo que participa”, destaca o diretor.
Em reconhecimento ao trabalho prestado para a instituição, inclusive, Maria Deloí recebeu no início das comemorações dos 15 anos da unidade, em abril de 2014, das mãos do Prefeito José Fortunatti, um certificado de agradecimento. Durante a solenidade, foi salientado que, além de outros funcionários contratados e voluntários, são pessoas como ela que ajudaram o centro a progredir até os dias atuais.
Homenagens, além de agradecimento, também significam estímulos
“A gente tem que procurar fazer construções para melhorar mais ainda a vida das pessoas, sempre.”
O mais recente reconhecimento que Maria Deloí coleciona veio da Prefeitura de Porto Alegre. O evento que entregou à líder a 53ª Medalha da Legislatura contou com a presença de amigos da importantes personagens do universo político. A medalha da 53ª Legislatura da Assembleia Legislativa do RS é entregue a personagens de Porto Alegre por seu protagonismo e relevância social. Normalmente, é uma indicação feita por deputados da legislatura que dá início ao processo de condecoração.

Entre os componentes da mesa de honra, na noite de 13/6, no Galpão de Atividades do Cesmar, estavam o assessor da deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), Cléo Teixeira, o deputado que propôs a homenagem, Aldacir Oliboni. Oliboni, inclusive, salientou na entrega que a proposição da medalha, além de um agradecimento, é um pedido para que a líder continue com as batalhas pelos direitos da região.
Segundo o Deputado Estadual Aldacir Oliboni, proponente da condecoração, Maria Deloí é “uma pessoa que contribui muito e de todo o coração para melhorar a vida de todos que a cercam, por isso é mais que merecedora deste prêmio”. Para Deloí, a medalha, ao invés de remeter ao passado traçado, a projeta para o futuro. “Receber essa medalha me dá ainda mais forças para seguir em frente nas minhas próximas lutas”.
Título: Maria Deloí: uma trama feita de luta, comunidade e fé
Motivação: Produção de reportagem multiplataforma para a disciplina Oficina de Redação V - Mídias Digitais.
Produção: Trabalho individual.
Data de execução: Junho de 2014.
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